Artigo: Lula também morre pela boca?

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Por: Carlos Galuban Neto*

Os apoiadores do presidente Lula costumam reclamar – geralmente, com razão – das falsas simetrias de comparações entre o líder petista e Jair Bolsonaro. De fato, embora recorrentemente adote um estilo falastrão que, se não atrapalha, tampouco contribui para o Brasil, Lula jamais atentou contra a democracia brasileira. E aí reside a principal diferença em relação a seu antecessor.

Atitudes recentes, porém, favorecem a tese de que os dois rivais seriam apenas faces da mesma moeda. Falo da postura adotada por ambos em relação à invasão da Ucrânia pela Rússia. Se, nos dias que antecederam o conflito, Bolsonaro prestou visita à Vladimir Putin, o que desagradou enormemente as potências ocidentes, Lula acaba de receber Sergei Lavrov, talvez o principal braço direito do presidente russo, conduta que tampouco deixou contentes os EUA e os países europeus que apoiam a resistência ucraniana.

Em ambos os casos, os líderes brasileiros buscaram disfarçar o apoio à Rússia com declarações que, vejam só a ironia, estão baseadas justamente em uma falsa simetria, na ideia de que os dois lados seriam igualmente responsáveis pelo conflito: “quando um não quer, dois não brigam”, “quem sabe, se a Ucrânia abrir mão de alguns territórios, a guerra não possa acabar” e “a Rússia apenas reagiu à possibilidade de a Ucrânia aderir à OTAN”, são apenas alguns exemplos de como petistas e bolsonaristas enxergam – muito mal – a questão.

As afinidades, claro, não param por aí: tanto Lula quanto Bolsonaro estão errados em atribuir culpa aos ucranianos. E por duas razões: a Ucrânia estava tão próxima de ingressar na OTAN quanto eu estou de correr uma maratona; não fosse a resistência imposta por Kiev à ofensiva de Vladimir Putin, o país hoje seria uma mera província russa.

Já que os dois lados gostam tanto de analogias esdrúxulas, é como se estivéssemos tratando igualmente o garoto do colegial que rouba o lanche de um aluno da quinta série e este que teve seu lanche roubado. Afinal, é em nome da imparcialidade e da neutralidade que se cometem as maiores injustiças.

As semelhanças entre Lula e Bolsonaro só não são maiores porque as motivações que levam cada um a demonstrar apoio à Rússia são distintas.

Enquanto o atual presidente tem como motivação agradar sua base eleitoral de esquerda, a qual, presa aos anos 60, ainda pratica o jogo da Guerra Fria de ficar ao lado dos russos e contra os EUA não importa o que aconteça, embora o atual regime russo seja tão comunista quanto o próprio Lula, os bolsonaristas veem em Putin, emulando Donald Trump e de um modo que talvez nem Freud explique, um líder viril e dominante, que não hesita em utilizar a força para garantir a proteção de seu país.

É a prova, raro leitor, e aqui aproveito para homenagear Tolstói, de que, em se tratando de política, todos aqueles que estão do lado certo se parecem; os equivocados, por sua vez, o são cada um à sua maneira. Se Bolsonaro deixou alguma lição a seus sucessores, é a de que presidentes também morrem pela boca. Espero que Lula não adquira mais essa semelhança com seu rival.

*Carlos Galuban Neto é advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

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